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Monday, June 30, 2014

MEIAS-NOITES FANTÁSTICAS, O CULTO DO CINEMA FORA DE HORAS

Nas últimas décadas é normal os cinemas terem sessões da meia-noite, mas estas limitam-se a exibir os filmes que passam no horário normal. Há muitos anos atrás era possível ver-se nestas sessões filmes que já tinham saído há muito de cartaz e assim redescobrir títulos a que não tínhamos acesso de doutra forma. Era uma altura em que ainda não havia vídeo e, tirando as salas de cinema, só na televisão se podiam ver filmes. Por vezes tínhamos que esperar anos para conseguir ver o filme que desejávamos, mas o prazer que se tinha quando finalmente o víamos numa reposição, sessão da meia-noite ou na televisão era enorme. Hoje está tudo disponível em vídeo ou na internet e a verdade é que o gozo não é comparável ao que se tinha nesses tempos.

Nas sessões da meia-noite vi todo o tipo de filmes, entre eles: MILLIE RAPARIGA MODERNA com a Julie Andrews, O SÉTIMO SELO de Ingmar Bergman, SWEET CHARITY – A RAPARIGA QUE QUERIA SER AMADA do Bob Fosse, CLEÓPATRA com a Elizabeth Taylor. Mas o que eu gostava mesmo era de ver filmes de terror nas algumas vezes denominadas “Meia Noite Fantástica”.

Confesso que as minhas pesquisas na internet sobre este tipo de sessões não foi muito frutífera, mas eis o que consegui descobrir. Tudo indica que as “Meia Noite Fantástica” tiveram o seu início em França no final dos anos 60, cortesia da revista de especialidade “Midi-Minuit Fantastique”, onde obtiveram grande sucesso e prolongaram-se pelos anos 70. No Estados Unidos esse tipo de sessões tornaram-se objecto de culto nos anos 70, não só para filmes do género, bem como para um tipo de cinema independente que não conseguia chegar aos circuitos normais.

Em Lisboa, o impulsionador deste tipo de sessões foi o critico de cinema Lauro António (em www.publico.pt- “um tempo de euforia”). Ele era o responsável pela programação do cinema Apolo 70, que abriu as suas portas em 26.05.1971 e foi aí que ele deu início aos Sábados à “Meia Noite Fantástica”, tendo inaugurado a série nesse cinema com a exibição de BARBARELLA em 29.05.1971. Entre as dezenas de filmes que se seguiram pode ver-se: O FOSSO E O PÊNDULO, A GUERRA DOS MUNDOS (a versão de 1953), O LOUCO, A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN, A VELHA CASA SOMBRIA, A MÁSCARA DO DEMÓNIO, A CAVEIRA, QUANDO O MUNDO NASCEU, A PANTERA (versão de 1942), MEL AMARGO, A QUEDA DA CASA DE USHER, KING KONG (o original de 1933), O GATO MIOU TRÊS VEZES, MACABRO, MISSÃO CAVEIRA HUMANA e muitos outros. 

Depressa outras salas seguiram o exemplo, nomeadamente o Politeama com as suas sessões de “Terror à Meia-Noite” e o Vox. Mais tarde, as sessões de cinema à meia-noite passaram a fazer parte da programação diária de várias salas de cinema, sempre com filmes que já não estavam em exibição no circuito normal. Nunca me vou esquecer de dois ciclos temáticos de fazer babar qualquer fã do género: “Os Mitos do Fantástico” no Apolo 70 em Abril de 1978 e “O Terror, o Fantástico e o Maravilhoso” no City Cine em Abril de 1979. Claro que os títulos se repetiam por vezes, mas este tipo de sessões prolongaram-se até ao início dos anos 80.

A última vez que me recordo de ver mencionado o termo “meia noite fantástica” foi quando, no Outono de 1979, o cinema Caleidoscópio iniciou as suas sessões do género com o filme A VAMPIRA DE DRÁCULA; foi por essa altura que por lá vi A SEMENTE DO DIABO de Roman Polanski e OS PÁSSAROS de Alfred Hitchcock.

Recordo-me da excitação que sentia quando consultava o cartaz dos cinemas nos jornais e via títulos como, para além de alguns dos já mencionados: A MANSÃO DO TORMENTO, A CASA QUE PINGAVA SANGUE, O TÚMULO VAZIO, O CHORAR DOS MORTOS, O BEIJO DO VAMPIRO, A CASA MALDITA, PROVEM O SANGUE DE DRÁCULA, 3 DEGRAUS PARA A MORTE, A MANSÃO DO PODER OCULTO, A ENSANGUENTADA NOIVA DE DRÁCULA, OLHOS VERDES DA NOITE e O ESTRANGULADOR DE BOSTON. Como apaixonado que era e sou por cinema do género, literalmente babava-me com a ideia de ver estes filmes e não tardou que começasse a chatear os meus pais para me levarem a uma dessas sessões e um dia lá consegui convencê-los; por sua vez, como não tínhamos carro,  os meus pais convenceram um casal de primos a irem connosco. 



























O acontecimento cinéfilo teve lugar no dia 17 de Janeiro de 1976, tinha então 11 anos. O filme escolhido era de terror psicológico (na altura não fazia a ideia do que isso queria dizer), chamava-se A IMAGEM DO MEDO e a sessão foi no extinto cinema Lumiar.

Nunca me vou esquecer da excitação que senti e o filme ficou para sempre gravado na minha memória. Não sei se comecei a ter medo de bonecos por causa deste filme ou se já tinha, a verdade é que há uma cena assustadora que ainda hoje, quando me recordo dela, me causa arrepios. Uma estranha jovem está sozinha no seu quarto, onde conversa com um boneco de trapo negro e, ao irritar-se com este, atira-o para os pés da cama; segundos depois ele levanta-se... Fiquei cheio de medo com esta cena e nunca mais olhei para bonecos da mesma maneira.



























Num período de cerca de dois meses, voltámos ao Lumiar para mais 5 sessões de terror à meia-noite: A ILHA DO TERROR (com Peter Cushing), O VAMPIRO NEGRO (o meu primeiro filme de vampiros para adultos), A FÚRIA DO ASSASSINO (que me deixou os nervos em frangalhos), DRÁCULA O PRINCÍPE DAS TREVAS (com Christopher Lee) e A CAVERNA DO TERROR (que era mau e incompreensível, ou assim me lembro).

Nos anos que se seguiram, a ida às sessões da meia-noite para ver filmes de terror, não se tornou propriamente um hábito (entre gasolina e o preço dos bilhetes não ficava barato), mas ocasionalmente íamos ver um ou outro. Foi nessas sessões que vi alguns clássicos do género como O EXORCISTA e MASSACRE NO TEXAS, ambos no Satélite, OS PÁSSAROS no Caleidoscópio, FRANKENSTEIN CRIOU A MULHER no Nimas, CARRIE e PSICO ambos no City, O MISTÉRIO DA CASA ASSOMBRADA no Londres, O GÉNIO DO MAL no Quinteto e  SUSPIRIA no Xenon. Também vi coisas como 7 MORTES NOS OLHOS DO GATO, O INQUILINO de Roman Polanski, SEDE DE SANGUE DO ÍDOLO NEGRO, TROG – A CAVERNA DO HOMEM MONSTRO com a Joan Crawford, CERIMÓNIA SANGRENTA de Jorge Grau, NOITE DO TERROR RASTEJANTE, A PORTA AO FUNDO DO CORREDOR, O SANGUE DO TERROR, O OUTRO, A MANSÃO DOS MORTOS VIVOS (não tinha nada a ver com zombies) com o Peter Cushing e Christopher Lee, AUDREY ROSE, DRÁCULA TEM SEDE DE SANGUE e DRÁCULA 72, ambos com Christopher Lee, VOZES DO ALÉM, KUNG FU CONTRA OS 7 VAMPIROS DE OURO, O CONTINENTE PERDIDO, COM A MALDADE NA ALMA com Bette Davis e Olívia de Havilland, AS AMANTES DO VAMPIRO, AS MÃOS DO ESTRIPADOR (um dos melhores fimes da Hammer) e outros. A lista é longa.



















Num tempo sem vídeo e internet, estas sessões eram a única forma de ver estes filmes e foi com pena que assisti ao desaparecimento das mesmas. Nos primeiros anos do Fantasporto, o Quarteto exibiu alguns filmes do festival à meia-noite, mas foi por pouco tempo. Há uns anos atrás, a equipa do MOTELx apresentou o DOG SOLDIERS numa sessão especial nos King, mas não houve continuidade.

Infelizmente, hoje é quase impossível encontrar um filme de terror nos nossos cinemas, quanto mais uma “meia noite fantástica”. Acredito que existe público para este tipo de sessões e imagino que uma pequena sala poderia encontrar aqui um nicho de mercado. Talvez o MOTELx ou mesmo o Lauro António (seria um regresso às origens destas sessões) em parceria com o Nimas pudessem reactivar estas sessões de culto e trazer de volta a “meia noite fantástica” aos cinéfilos lisboetas. Filmes não faltam e fãs do género também não. 

© por Jorge Tomé Santos em 30.08.2014














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